Começou às 9h desta sexta-feira, na 1ª Vara da Infância e da Juventude, o
julgamento dos padres Luiz Marques Barbosa, Raimundo Gomes e Edílson Duarte,
acusados de abuso e exploração sexual de menores. Aproveitando-se da condição de
padres, eles teriam abusado de Cícero Flávio Vieira Barbosa, Fabiano Ferreira da
Silva e Anderson Farias da Silva durante vários anos, enquanto os rapazes eram
coroinhas em suas paróquias. O julgamento acontece na cidade de Arapiraca, a 128
quilômetros de Maceió (AL).
Os acusados chegaram ao local do julgamento em seus próprios carros, mas com
escolta da Polícia Militar da cidade. O padre Raimundo foi o único a falar com a
imprensa antes do início da audiência. Aparentemente tranquilo, ele disse que
"está rezando muito, inclusive por todos os profissionais da imprensa que
acompanham o processo".
Ele nega todas as acusações de abuso, feitas por Cícero Flávio e Anderson
Farias. Já o padre Edílson confessou, em troca de delação premiada durante
sessão especial da CPI da Pedofilia, realizada em abril de 2010, que ofereceu
dinheiro a Fabiano Ferreira em troca de sexo. Edílson também confessou que é
homossexual, embora este fato não interfira no andamento do caso.
O caso veio à tona em março de 2010, quando o repórter Roberto Cabrini
mostrou em uma reportagem o vídeo onde o monsenhor Luiz Marques, de 82
anos, aparecia fazendo sexo com Cícero Flávio, então com 19. A matéria,
entitulada “Sexo, intrigas e poder na Igreja Católica” ganhou o Prêmio
Esso de Jornalismo daquele ano e provocou um escândalo nacional e internacional,
principalmente após as denúncias de abusos contra os padres Raimundo e
Edílson.
À época, o Vaticano enfrentava uma série de denúncias de abuso e exploração
sexual de menores por padres, fato que levou o bispo de Penedo, da diocese à
qual Arapiraca pertence, a afastar os três padres de suas funções
eclesiásticas. Os moradores de Arapiraca ficaram chocados com as denúncias e
continuam divididos até hoje.
Há quem condene os padres, alegando que eles aproveitaram sua posição
privilegiada para abusar dos coroinhas e os acusando de falso moralismo. O padre
Luiz Marques era conhecido pelos rígidos padrões de roupas femininas que
permitia na igreja, tendo havido casos de mulheres convidadas a sair da igreja
ou da fila de comunhão por estarem com blusas sem mangas ou decotadas.
Por outro lado, há também quem os defenda e acredite que tudo é uma grande
injustiça, alegando que os rapazes estavam apenas interessados em dinheiro.
Hipótese discutida depois que os advogados de Marques alegaram que o vídeo havia
sido feito em 2009 pelo coroinha com a intenção de extorquir seu cliente. Além
disso, segundo os advogados, os padres tinham documentos assinados por Cícero
Flávio dizendo que se comprometia a não divulgar o vídeo em troca de determinada
quantia.
Inicialmente, o caso foi denunciado pelo Ministério Público Estadual (MPE) na
8ª Vara Criminal de Arapiraca. Porém, como os jovens eram menores de idade
quando os abusos começaram, o caso foi transferido para a 1ª Vara Criminal da
Infância e da Juventude. Com isso, a audiência de instrução do processo
criminal, nome oficial do julgamento, acontecerá na sala de audiências do
Juizado da Infância, e não no Fórum de Arapiraca.
Foto: Matheus Pichonelli
Igreja em Arapiraca onde padres, acusados de abusar de ex-coroinhas,
rezavam
O julgamento
Devido à limitação do espaço físico, só terão acesso à audiência pessoas
ligadas ao processo, o que inclui dois representantes do Vaticano que vieram
acompanhar o caso. A determinação é do juiz que preside o caso, João de Azevedo
Lessa. Ele pretende terminar o julgamento ainda nesta sexta, como manda o
ordenamento jurídico, mas reconhece que pode se estender por vários dias.
“São muitas pessoas a serem ouvidas. Começamos com as vítimas, depois as
quinze testemunhas de acusação e defesa, os réus e os advogados, que por sua vez
ainda podem pedir para fazer as alegações por escrito. Aí, são mais cinco dias
para que eles entreguem os memoriais e outros dez para que eu profira a
sentença”, explicou Lessa.
O promotor Alberto Tenório afasta qualquer tipo de pressão sobre o caso, que
possui quatro volumes e quase mil páginas. “Este é o único caso no mundo com
provas concretas do abuso, no caso o vídeo do monsenhor Luiz e a confissão do
padre Edílson”.
Já o advogado de defesa de Luiz Marques e Raimundo Gomes não pensa da mesma
maneira. Segundo Edson Maia, a única coisa que o vídeo mostra é seu cliente em
uma relação homossexual consentida com um rapaz maior de idade. “E contra
monsenhor Raimundo não há nenhuma prova concreta, é a palavra desses rapazes
contra a dele, que nega os abusos veementemente”.
Segundo o promotor, a pena para abuso e exploração sexual é de 4 a 10 anos,
podendo ser aumentada de um terço ao triplo, dependendo do número de vítimas e a
reiteração dos delitos. Ele ainda faz um alerta. “É preciso deixar bem claro que
o que está sendo julgado aqui não é a Igreja Católica, mas sim o desvio de
conduta destes homens”.
Prevendo que o julgamento despertará a curiosidade e a mobilização de vários
grupos a favor e contra padres ou coroinhas, o juiz João Azevedo Lessa solicitou
o fechamento do trânsito na rua do Juizado, reforço de policiais militares para
segurança e a presença de uma equipe do Samu com ambulância.
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