quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Ex-preso vira artista depois de estudar e trabalhar na cadeia

Hélvio no TornoFoto: Julia Chequer/R7
Hélvio usa sucata em sua oficina para criar objetos


Hélvio Antonio Antunes tem 37 anos. Aos 24, ele foi preso depois que uma operação policial surpreendeu um desmanche de carro em que ele trabalhava. Só ele foi preso.
Nos 13 anos em que ficou na cadeia, ele mal viu a família, foi espancado por outros presos até ficar em uma cadeira de rodas. Recuperado, decidiu reconquistar a admiração dos filhos entrando em cursos profissionalizantes e trabalhando na Funap (Fundação de Amparo ao Preso) de São Paulo.

Mas naquele que seria mais um dia de trabalho, Hélvio surpreendeu os colegas, os funcionários da Funap e a si mesmo ao descobrir que poderia fazer arte usando sucata. Depois de abater cinco anos de sua pena estudando e trabalhando, ele hoje ensina seu ofício a outros detentos e continua usando sucata para criar.

Na entrevista abaixo, Hélvio conta sua experiência:

R7 - Como você foi parar na cadeia?
Hélvio Antonio Antunes -
Desmanche de carro. Era carro roubado. Eu estava desempregado e arrumei serviço lá. Quando eu fiquei sabendo, não tinha mais como sair. Só eu fui preso. As outras pessoas conseguiram sair.

R7 - E onde você ficou preso?
Hélvio -
Eu passei por várias cadeias, casas de detenção e por três penitenciarias. Em São Roque fiquei em uma cela com 27 pessoas.

R7 - E quanto tempo na prisão foi necessário para você decidir fazer um curso profissionalizante? Hélvio - Fiquei 13 anos preso, e só depois de nove anos eu fui fazer um curso porque não tinha Funap onde eu ficava preso. Quando eu cheguei em uma penitenciária que tinha, comecei a estudar.

R7 - Conta como foi essa decisão de fazer o curso? Hélvio - Minha família se afastou de mim, meus filhos... Um dia eu parei e disse "chega. Eu não quero isso pra mim. Eu vou sair daqui com uma profissão, ou pelo menos dar um exemplo para os meus filhos”. E foi o que aconteceu. Fiz cursos, estudei dentro da prisão.

R7 - Qual foi o primeiro curso que você fez?
Hélvio -
O primeiro curso foi o de elétrica residencial. Depois, fiz o de computação. Daí fiz mecânica a diesel. Ainda estou pretendendo fazer mais. Vamos ver.

R7 - Como você começou a trabalhar com sucata?
Hélvio -
Nas penitenciárias em que eu passei, os presos recebiam visitas que levavam matéria-prima para eles trabalharem, mas como eu nunca recebi visita, tive de me virar. Eu via nas fábricas muita sucata e pensei em dar um jeito de usar como matéria-prima.

R7 - Por que você não recebia visita?
Hélvio - Quem cometeu o erro fui eu, então pedi pra minha família não me visitar. Quem tinha de pagar era eu, não ela. Tem penitenciária com condições de receber visita, mas têm outras que é constrangedor, e então eu preferi que eles não viessem.

R7 - Você ficou quanto tempo sem vê-los?
Hélvio - Fiquei dez anos sem ver minha família. Eu tenho dois filhos. Sou divorciado. Quando eu fui preso, minha esposa acabou me largando, infelizmente, mas a vida continuou.

R7 - A decisão de mudar de vida teve alguma relação com seus filhos?
Hélvio - Com certeza. Eu não poderia ser um exemplo, mas agora que passou, passou. Tem de ser um exemplo daqui pra frente.

R7 - E com quem você aprendeu a usar sucata?
Hélvio - Ninguém me ensinou a criar objetos. Aprendi a soldar na rua, mas aprimorei na Funap.

R7 - E como você descobriu que poderia fazer arte?
Hélvio - Eu via gente fazendo suas coisas, mas eu queria alguma coisa nova. Eu queria criar. E foi no dia a dia. Fui soldando um parafuso, depois outro e transformei tudo numa moto. Todo mundo dizia "mas que coisa de louco", mas nesse mundo quem não é louco? (Risos)

R7 - E como fazer arte com sucata te afetou?
Hélvio - Foi aí que eu vi que era capaz de fazer muita coisa boa.

R7 - Qual foi momento mais difícil nisso tudo?
Hélvio - Foi quando eu fiquei um ano e dois meses em uma cadeira de rodas.

R7 - O que te aconteceu?
Hélvio - Eu tinha cinco anos na cadeia. Antigamente, os presos davam o "salve", que era pro preso novo saber onde estava chegando, pra exigir respeito. Eles espancavam e colocavam no castigo por 30 dias, tempo necessário para os hematomas sumirem. Mas no meu caso não teve jeito. Depois de apanhar, fiquei com um coagulo na cabeça e tive uma vértebra na coluna trincada, então fiquei paralítico. Uma mulher na penitenciária me ajudou ao perceber que eles poderiam me matar. Fiquei encostado na enfermaria por seis meses. Eu nasci de novo.

R7 - Quantos objetos você faz por dia?
Hélvio - Se eu tive uma ideia, eu faço. Uma moto grande, eu faço uma por dia. As pequenas da para fazer 10, 12. Depende da sucata.

R7 - Além de produzir esses objetos, você trabalha com mais coisas na oficina da Funap?
Hélvio - Eu faço prateleiras para escola, mesa, cadeira de informática, reforma e manutenção de maquinas de costura.

R7 - Você sente falta quando fica muito tempo longe do trabalho?
Hélvio - Eu não consigo ficar longe. Eu tenho de ficar no meio da serralheria. Já incorporou em mim.

R7 - Mas não é todo preso que gosta de trabalhar ou estudar na cadeia...
Hélvio - Acho que quem quer ter uma vida longe do crime, procura fazer alguma coisa, porque cadeia não é bom pra ninguém. Se essa molecada soubesse o que é cadeia, nem pensaria em fazer coisa errada.

R7 - Quanto tempo da sua pena você conseguiu reduzir trabalhando e estudando?
Hélvio - Estudando, dois anos. O trabalho me reduziu mais três. Se eu não tivesse feito isso, eu não estaria aqui hoje. Já que caiu na cadeia, estude para sair de lá com a cabeça boa e trabalhe, porque cabeça vazia só vai arrumar problema.

R7 - O que seus filhos acham da sua recuperação?
Hélvio - Pouca gente sabe a dor de um pai que não pode conviver com um filho. Quando eu fui preso, meu filho menor tinha seis meses. Ele veio me chamar de pai depois de 12 anos. A minha filha tem 19 anos. Eles não lembravam direito de mim. Hoje eles dizem "você é meu pai". Agora eu sou pai, mas isso as pessoas perdem na cadeia.

Hélvio
Foto: Julia Chequer/R7



Fonte: R7
Wanderley Preite Sobrinho

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